domingo, 26 de junho de 2011

LARGO DOM JOÃO II

Topónimos anteriores: Largo do Chafariz, Rua França Borges
Designações populares: Largo António Amaro, Largo da Mó
Dom João II (Lisboa, 04.05.1455-Alvor, 25.10.1495)

A 4 de Maio de 1455 nasce, em Lisboa, o filho do rei D. Afonso V. Os reinos peninsulares vivem uma crise de crescimento que irá ditar o seu futuro próximo, alargar os limites do mundo conhecido pelos europeus, abrir novas fronteiras ao saber, transformar de forma decisiva a forma de viver das pessoas. 50 anos do século XV, viragem na história do mundo. Em 1453, os Turcos conquistam Constantinopla. Emoção na Europa, marco de separação entre a Idade Média e a Idade Moderna. No limiar da Renascença nasce um príncipe que irá ser como que um modelo do governante da época que, mais tarde, Maquiavel irá fixar na sua obra. Príncipe Perfeito, lhe chama o castelhano Lope de Vega. Designação logo adoptada por outros, e sob a qual acaba por passar à história. Embora nem todos os seus contemporâneos o considerem «perfeito»...

Em 1438 morre D. Duarte. D. Afonso V, seu filho, tem apenas seis anos. Por testamento do rei morto, a regência deve pertencer a D. Leonor de Aragão, a rainha-viúva. Porém, enquanto a nobreza exige o cumprimento do testamento, os mesteirais de Lisboa e os povos miúdos opõem-se, acabando por proclamar como regente o Infante D. Pedro, tio de D. Afonso V. A regência de D. Pedro caracteriza-se pelo incremento das navegações, pela protecção à Universidade, pela compilação das Ordenações Afonsinase por mais algumas concessões aos nobres, à generalidade dos quais, no entanto, não agrada.

Em 1448, D. Afonso V assume a direcção do Estado e a nobreza consolida o seu poder. D. Pedro e os seus partidários são perseguidos e, em 1448, em Alfarrobeira, o infante e grande número dos do seu partido são mortos. A nobreza sai completamente vencedora e até ao fim do reinado de D. Afonso V não cessa de obter grandes doações, novos títulos nobiliárquicos, novas tenças... Mas em 1455 nasce em Lisboa o futuro D. João II. Aquele que irá vingar seu tio-avô, o sábio D. Pedro e, submetendo a nobreza, restituir à Coroa o poder alcançado pelo Mestre de Avis.

Após terem tomado Constantinopla, os Turcos cercam Belgrado em 1456. O papa manda pregar uma nova cruzada contra os infiéis. Quase todos os soberanos europeus fazem orelhas moucas. Só D. Afonso V corresponde ao apelo do papa e promete ir combater os Turcos com um exército de doze mil homens, iniciando logo os preparativos. Mas, em 1458, o papa Calisto III morre, a ameaça turca perde força, e a cruzada cai no esquecimento. As tropas que o rei português prometera conduzir aos Balcãs estão prontas para defender a Cristandade. Tinham-se feito grandes despesas e para que todo esse esforço não aparecesse como inútil, o rei resolve utilizar esses meios numa expedição ao Norte de África. E conquista a pequena praça de Alcácer-Ceguer, no estreito de Gibraltar, em 1458. Em 1463-1464 há nova expedição a Tânger, mas que não resulta. Em 1471, Arzila é conquistada e Tânger ocupada. Nesta última campanha participa o príncipe que, com 16 anos, se bate corajosamente e é armado cavaleiro. São estas expedições a África que valem o cognome de o Africano a D. Afonso V e que lhe conferem prestígio entre a nobreza europeia. Por isso, uma parte dos nobres castelhanos lhe vem pedir que intervenha na política interna do seu país e que aceite o trono. O rei de Castela, Henrique IV morre. Tem uma filha, Joana, que grande parte da nobreza diz não ser filha do rei, mas sim do fidalgo Beltrão de la Cueva. Por isso lhe chamam depreciativamente a Beltraneja. Consideram que a infanta Isabel, irmã do rei, é a legítima herdeira ao trono. Mas, estando ela casada com Fernando, filho de João II de Aragão e herdeiro do trono, a sua coroação significará a união dos dois reinos o que, por outra facção, da nobreza não é visto com bons olhos. E D. Afonso V, sonhador e imbuído ainda dos ideais cavaleirescos da Idade Média e que, por outro lado, acalenta o sonho da unidade dos reinos peninsulares sob a hegemonia lusitana, arvora-se em defensor dos direitos de Joana, filha de sua irmã. Quando D. Afonso V parte na campanha militar contra Castela, em 1475, entrega ao príncipe o poder de reger, governar e defender o Reino. Quando, no ano seguinte, o próprio príncipe parte para Castela em auxílio do pai, entrega a regência do reino a D. Leonor, sua mulher. Ao entrar em acção no cerco de Zamora, o príncipe vence Fernando o Católico, na batalha de Toro, embora o resultado global desta batalha seja desfavorável a Portugal, pois as pretensões de D. Afonso V ao trono castelhano ficam desfeitas.

Ainda em 1475, desiludido, D. Afonso V parte para França, onde se vai encontrar com Luís XI, e escreve ao filho, entregando-lhe o reino. D. João, que prossegue a guerra com Castela, é aclamado rei em Santarém em 1477. Mas, o regresso inesperado do pai, interrompe um curto reinado de quatro dias. Em 28 de Agosto de 1481, D. Afonso V, com 49 anos, morre no Paço de Sintra. «E o príncipe seu filho», como nos diz Rui de Pina, « com sinais verdadeiros de grande dor e sentimento, vestido de burel, se encerrou em sua câmara três dias, acabados os quais, vestido então de vestiduras mui ricas e com a cerimónia costumada, logo no derradeiro dia do dito mês, foi pelos nobres do seu reino, que aí se acertaram, levantado por rei, em idade de vinte e seis anos e quatro meses.»

Como vimos, D. Afonso V foi pródigo em conceder novos privilégios à nobreza, restituindo-lhe o poder que tivera antes da subida ao trono de D. João I. Com D. João II tudo se irá modificar. A morte de D. Afonso V causa grande consternação. Rui de Pina, Garcia de Resende, Damião de Gois registam nas suas crónicas o desgosto produzido pela morte de um monarca que reinou durante 40 anos sem trazer grandes benefícios ao País, mas que era simpático ao povo. Porém, a grande consternação foi sentida pela nobreza que via os seus privilégios em perigo. A bem dizer, desde a efémera abdicação de quatro dias que os fidalgos viviam em sobressalto. Não se sabia como iria governar D. João. Terminados os «três dias de dó», D. João aparece para a cerimónia de aclamação que, perante fidalgos e prelados, se celebra com grande brilho em 31 de Agosto de 1481, no recinto do jogo da péla, em Sintra. Aí, o novo rei convoca as Cortes de Évora, que irão realizar-se nos Paços de S. Francisco, em 12 de Novembro do mesmo ano. As cortes abrem com grande solenidade. O doutor Vasco Fernandes de Lucena, chanceler da casa civil, pronuncia o discurso de abertura. E logo aqui fica bem claro que a política regalista do anterior rei terminou, que o poder não irá ser partilhado, nem haverá fronteiras para as prerrogativas reais. O chanceler conclui a oração dizendo: «Quem verdadeiramente obedece ao seu rei faz coisa digna e de sua honra e de seu glorioso nome.». Depois do preito e menagem prestados por cada um dos representantes ao soberano (e todos o prestam, mesmo o duque de Bragança), seguem-se os debates em que os procuradores dos povos falam sem papas na língua, denunciando abusos dos fidalgos, extorsões, violências e crueldades na cobrança ilegítima de tributos. Não se exclui a hipótese de haver um secreto entendimento entre o rei e os procuradores dos povos, dando estes com as suas diatribes pretexto para as medidas que o monarca irá desencadear. Caso se provem os abusos dos nobres contra o povo, o rei pode confiscar todos os bens que se ache serem ilegítimos. No final, o rei agradece o terem falado com tanta clareza e promete enviar corregedores a toda a parte a colher informação de como se faz justiça e cumpre a lei no Reino.

É a partir da oposição feita pelos nobres à intervenção dos corregedores nas terras de que são donatários que se desencadeia a repressão. Os espiões do rei interceptam cartas do marquês de Montemor, irmão do duque de Bragança, em que é proposta a invasão de Portugal pelos castelhanos como maneira de fazer face à tirania do rei. Segundo tudo indica, a conjura vem já do tempo de D. Afonso V, pois já nessa altura os Braganças e os seus aliados temem o príncipe. E toda a oposição ao poder real é eliminada. O duque, primeira figura da nobreza e dono de grande parte do País, é considerado estar envolvido na conspiração, sendo julgado e decapitado na praça do Giraldo em Évora, perante uma grande multidão. A Casa de Bragança é extinta e o seu colossal património absorvido pela Coroa. Historiadores há que afirmam que a honestidade do julgamento não foi exemplar, que houve testemunhas de acusação compradas pelo rei. Em 1484, D. Diogo, duque de Viseu, irmão da rainha, é chamado ao paço e aí apunhalado pelo rei, pois é suspeito de dirigir uma nova conspiração. Muitos membros da nobreza são executados e outros fogem para o estrangeiro. O bispo de Évora, homem importante no reinado de D. Afonso V, é envenenado na prisão. É uma depuração executada a frio, que não olha a meios nem observa limites. Diz Rui de Pina que «sendo senhor dos senhores, nunca quis nem parecer servo dos servidores». Na realidade, o príncipe perfeito destrói o poder dos grandes, mas não se apoia para isso no povo. Todo o poder está concentrado nas suas mãos. Agora pode governar.

Irá reorganizar o Estado, estabelecer ou reforçar as relações diplomáticas com vários países da Europa e, sobretudo, desenvolver a política das navegações iniciada por D. Henrique.

Quando, em 1481, D. João II sobe ao trono, a gesta dos Descobrimentos e da expansão iniciara-se cerca de sessenta anos antes por iniciativa de seu tio-avô, o infante D. Henrique. Até aí, os marcos principais foram: em 1419, João Gonçalves Zarco e Tristão Vaz Teixeira desembarcam na ilha de Porto Santo; em 1425, presume-se que terá começado o povoamento e o aproveitamento agrícola da ilha da Madeira; em 1427, é descoberto o arquipélago dos Açores, por Diogo de Silves; em 1434, Gil Eanes transpõe o Cabo do Bojador, iniciando o reconhecimento da costa africana; em 1439, o infante D. Henrique é autorizado pelo regente D. Pedro a povoar as «sete ilhas» dos Açores, onde anteriormente se tinham lançado ovelhas; em 1441, a expedição de Antão Gonçalves atinge a região do rio do Ouro e chega até ao cabo Branco. São capturados dois nativos; em 1444, Dinis Dias chega ao promontório de Cabo Verde; 1455 e 1456, Cadamosto, veneziano ao serviço de D. Henrique, descobre algumas ilhas do arquipélago de Cabo Verde; 1456 - viagem de Diogo Gomes, que explora o estuário do rio Geba, na Guiné, e acha algumas ilhas bijagós; 1460, António de Noli descobre algumas ilhas de Cabo Verde; 1471-72: João de Santarém e Pêro Escobar, descobrem as ilhas de São Tomé e Príncipe; 1472: Fernando Pó descobre a ilha Formosa (que toma hoje o seu nome); 1474: Lopo Gonçalves e Rui de Sequeira atingem o cabo de Santa Catarina. Após a sua subida ao trono, D. João II manda construir a Fortaleza de São Jorge da Mina, na área do Golfo da Guiné.

Apesar de ter sido muitas vezes dito que a tentativa de achamento de um caminho marítimo para a Índia faz parte dos projectos do infante D. Henrique, tudo parece indicar que o «plano da Índia» é concebido por D. João II quando, ainda príncipe, passa a ter a responsabilidade pela orientação prática das navegações. É dele que parte a iniciativa de reconhecer as condições físicas do Atlântico Sul, de que encarrega Duarte Pacheco Pereira, e a decisão de prosseguir cada vez mais para sul as viagens ao longo da costa africana. São também decisão sua as duas viagens de Diogo Cão, que na segunda atinge como ponto mais meridional a serra da Parda; a viagem de Bartolomeu Dias, que leva, em 1488, navios portugueses pela primeira vez ao Índico; e, também, a missão desempenhada por Pêro da Covilhã que, no Indostão, no Golfo Pérsico e na costa oriental de África, permite recolher preciosas informações de carácter económico. Pode parecer estranho que, sabendo, já no início de 1489, da intercomunicabilidade entre os oceanos Atlântico e Índico, por informações colhidas em geógrafos árabes, não tenha decidido mandar nos anos que ainda viveu, uma armada para o comprovar. Há quem acredite ter havido entre a viagem de Bartolomeu Dias e a de Vasco da Gama armadas «secretas». Porém, carecendo essas teorias de prova histórica, é mais aceitável supor que, para concretização do seu plano da Índia, faltava uma peça essencial: a garantia de que o oceano Atlântico era mar «português». E só o Tratado de Tordesilhas, em 1494, o garante. D. Manuel virá a colher os frutos e a glória do descobrimento do caminho marítimo para a Índia que o Príncipe Perfeito tão laboriosa e inteligentemente preparou. Também nisso foi venturoso.

D. João II, consolidação do poder real. Constrói assim os alicerces de um estado moderno. E na ordem externa lança as bases de uma empresa colonial cujos frutos virão a ser colhidos nos reinados seguintes. Porém, o sonho da união dos reinos peninsulares sob uma mesma coroa, acalentado por seu pai, não o abandona completamente. Sabe que, com propósitos semelhantes de hegemonia peninsular, aos reis de Castela e de Aragão agrada a ideia de casar a sua herdeira, a infanta Isabel, com o infante D. Afonso de Portugal. D. João II desenvolve uma estratégia conducente à realização desse casamento, que virá a verificar-se, por entre festejos de grande fausto, em Novembro de 1490.

Pouco tempo irá, no entanto, durar o sonho. Em Julho de 1491 o príncipe D. Afonso morre numa queda de cavalo, à beira-rio, perto do paço de Almeirim. Todo o projecto se desfaz. Dominado por uma profunda dor, D. João II ainda tenta legitimar em Roma D. Jorge, um filho bastardo. Mas a oposição da rainha e as influências dos seus inimigos prevalecem. D. Manuel, duque de Beja, irmão do duque de Viseu que o rei assassinara por suas mãos, sobrinho-neto de D. Afonso V, está agora na primeira linha da sucessão.

Descobrimento ou conhecimento secreto do Brasil? Política de sigilo? Talvez sim, talvez não. O certo é que D. João II impõe um alargamento da área exclusiva do Atlântico: em vez das 100 léguas a oeste de Cabo Verde, que tinham sido propostas como fronteira marítima entre Portugal e Castela, ele exige 370 léguas, abrangendo assim parte da América do Sul. Duarte Pacheco Pereira e Garcia de Resende aludem, de facto a esta táctica de protecção aos avanços náuticos e aos planos de expansão. Por outro lado, o facto de D. João II se ter recusado a apoiar a empresa de Colombo, destinada a descobrir terras que iriam cair na posse da Coroa de Castela, parece também apoiar a tese do conhecimento sigiloso. Na realidade, os resultados obtidos demonstram a inequívoca existência de um plano que privilegia o domínio das navegações na costa de África e o descobrimento de uma rota para o Oriente.

O Tratado de Tordesilhas, de 1494, realizado já depois da viagem de Colombo, em 1492-93, assegura uma vasta parcela do Atlântico como zona exclusiva da Coroa e confirma também a posição de Portugal na sua rota para a Índia. Estabelecida a figura jurídica que se conhece por mare clausum, fica consagrado o direito de as duas grandes potências da época condicionar o direito à navegação por parte de terceiros, nomeadamente dos ingleses. O mundo não terá sido dividido em duas partes, uma para Portugal, outra para Castela, como afirma a imagem popular, mas o Tratado de Tordesilhas, prodígio da política externa de D. João II, atribui a Portugal um poder que nunca fora atingido antes por qualquer potência. Tordesilhas é um monumento à astúcia e à visão de futuro do Príncipe Perfeito.

Todavia, internamente, os ódios da nobreza espoliada são uma fogueira inextinguível. O cognome atribuído ao rei por estes é o de o Tirano. Logo a seguir às bodas do príncipe, no paço de Évora, começa a manifestar-se uma estranha enfermidade no rei. Começam por ser apenas «acidentes e desmaios», mas, por meados de 1495, a doença começa a agravar-se e o seu esbelto aspecto físico vai-se convertendo num corpo balofo e disforme. São quatro anos de luta entre a doença e a vontade férrea do rei. Suspeita-se, com alguma lógica, de envenenamento. Diz Rui de Pina: «Depois do falecimento do príncipe, el-rei, ou pela sobeja tristeza e mortal dor que nele padeceu (como é mais de crer), ou por peçonha que lhe deram, como alguns sem certidão suspeitaram, nunca foi em disposição de perfeita saúde.»

Ao pôr do sol de 25 de Outubro de 1495, com quarenta anos de idade, morre no Alvor D. João II, o Príncipe Perfeito, como ficou para a história. O Tirano, como o considerava a nobreza, cujos poderes despóticos esmagou também com despotismo. Ou, mais simplesmente, el hombre, como o designou Isabel, a Católica. Quando lhe trouxeram a notícia da morte de seu primo, terá dito, num misto de tristeza, admiração e alívio:
«- Morreu o homem!»

D. Manuel, duque de Beja, que D. João II após lhe ter morto o irmão, sempre protegera, sobe ao trono. Logo em 1496, a Casa de Bragança é restaurada. Os nobres refugiados no estrangeiro começam a voltar a Portugal. Porém, sob este aparente apagamento das medidas tomadas pelo Príncipe Perfeito, emerge triunfante o valor da sua obra - pouco depois as armadas portuguesas atingem a Índia, espalham-se pelo Oriente, acham o Brasil... Portugal irá viver as décadas de ouro da sua história.

(Da Crónica de D.João II, de Rui de Pina) -

«Foi el-rei D.João homem de corpo, mais grande que pequeno, mui bem feito e em todos os seus membros mui proporcionado; teve o rosto mais comprido que redondo e de barba em boa conveniência povoado. Teve os cabelos da cabeça castanhos e corredios e porém em idade de trinta e sete anos na cabeça e na barba era já mui cão, de que se mostrava receber grande contentamento pela muita autoridade que à sua dignidade real suas cãs acrescentavam; e os olhos de perfeita vista e às vezes mostrava nos brancos deles umas veias e mágoas de sangue, com que nas coisas de sanha, quando era dela tocado, lhe faziam aspecto mui temeroso. E porém nas coisas de honra, prazer e gasalhado, mui alegre e de mui real e excelente graça; o nariz teve um pouco comprido e derrubado. Era em tudo mui alvo, salvo no rosto, que era corado em boa maneira. E até idade de trinta anos foi mui enxuto das carnes e depois foi nelas mais revolto. Foi príncipe de maravilhoso engenho e subida agudeza e mui místico para todas as coisas; e a confiança grande que disso tinha muitas vezes lhe fazia confiar mais de seu saber e creu conselhos de outrem menos do que devia. Foi de mui viva e esperta memória e teve o juízo claro e profundo; e porém suas sentenças e falas que inventava e dizia tinham sempre na invenção mais de verdade, agudeza e autoridade que de doçura nem elegância nas palavras, cuja pronunciação foi vagarosa, entoada algum tanto pelos narizes, que lhe tirava alguma graça. Foi rei de mui alto, esforçado e sofrido coração, que lhe fazia suspirar por grandes e estranhas empresas, pelo qual, conquanto seu corpo pessoalmente em seus reinos andasse para as bem reger como fazia, porém seu espírito sempre andava fora deles, com desejo de os acrescentar. Foi príncipe mui justo e mui amigo de justiça e nas execuções dela mais rigoroso e severo que piedoso, porque, sem alguma excepção de pessoas de baixa e alta condições, foi dela mui inteiro executor, cuja vara e leis nunca tirou de sua própria seda, para assentar nela sua vontade nem apetites, porque as leis que a seus vassalos condenavam nunca quis que a si mesmo absolvessem.» - (In

http://www.vidaslusofonas.pt/d_joao_ii.htm).

TOPONÍMIA:

Antigo Largo do Chafariz, aqui se localizava um dos chafarizes de Vila Nova de Portimão. Em 1910, com a implantação da República, foi decidida a alteração de vários topónimos da localidade, tendo o Largo do Chafariz sido unido à Rua dos Surradores (actual Rua do Comércio), tendo sido atribuída a essa nova artéria Rua França Borges.

No período do Estado Novo, voltou a haver alteração toponímica, sendo a Rua França Borges novamente dividida e atribuídos os topónimos actuais de Rua do Comércio e de Largo D. João II. A atribuição do nome de D. João II a este largo tem a ver com o facto de o Rei aqui ter passado com o seu séquito na vinda de Monchique para Alvor (como já referimos no tópico da Estrada de Monchique, a entrada para Portimão nesse tempo, para quem vinha da zona da serra era feita percorrendo a Estrada de Monchique, Estrada Velha - actual Rua Dr. Manuel de Almeida -, Largo do Chafariz - actual Largo D. João II - e Rua Portas da Serra). Neste local, o séquito dividiu-se, tendo o Rei seguido para Alvor e o seu filho D. Jorge para Portimão, onde ficou instalado na Rua da Ribeira - actual Rua Júdice Fialho - na casa dos Castelo Branco.

Em finais do século XIX, início do século XX, havia neste largo uma casa, de forma quadrangular, que servia de depósito de água, que vendia o cântaro de água a 5 réis. Havia, igualmente, um carreteiro e um ferrador. Num recanto existiam 4 colunas em pedra, onde os animais de grande porte eram presos e castrados. Nessa altura, o ponto de encontro era a taberna do tio Pinto.

Em tempos mais recentes existiu a Farmácia Rocha e, posteriormente, a Farmácia Carvalho.

Nos anos 1970, foi construído o prédio onde se encontra o Laboratório de Análises de António Mergulhão, tendo o largo adquirido a designação popular do construtor do imóvel, António Amaro.

Com o encerramento do largo ao trânsito, foram colocadas no centro as mós do lagar de azeite, que levou à designação popular de Largo da Mó. Com esse encerramento, nasceram esplanadas nesse local, que se juntaram à do célebre Café Brasil.

O Largo D. João II, tem sido alvo de várias requalificações ao longo dos anos, a última das quais optou pela colocação de calçada portuguesa.

LIGAÇÕES:

O Largo D. João II tem ligações com as seguintes artérias: Rua João de Deus, Rua Dr. Manuel de Almeida, Rua Francisco Bivar, Rua de Olivença, Rua do Comércio, Rua Porta da Serra e Rua 16 de Maio.

Largo D. João II nos anos 1950 (Foto de Gabriela Afonso)
Largo D. João II nos anos 1990 (Foto do Arquivo da C.M.P.)
Largo D. João II nos anos 1990
Largo D. João II
Largo D. João II
Largo D. João II em 2010 (foto de Nuno Campos Inácio)

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